O Direito Adquirido às Prestações Previdenciárias

  1. 1.      Introdução
  2. 2.      Do Direito Adquirido
  3. 3.      Da Proteção Social
  4. 4.      Das Situações Existentes

1. INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido acerca do conceito de direito adquirido. Particularmente, no âmbito da Seguridade Social essa matéria tem despertado calorosos e renovados debates.

Pretendemos, sim, ingressar no campo da controvérsia apresentando novos elementos ao debate, especialmente em tempo de importante definição que o tema poderá ganhar com o julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da revisão das pensões por morte em face de lei nova superveniente mais favorável.

Cumpre-nos registrar que essas palavras foram escritas anteriormente a referida decisão e, portanto, não guarda influência com o virtual julgado.

2. DO DIREITO ADQUIRIDO

O direito adquirido, em curtas palavras, não mais representa do que o que já se incorporou ao patrimônio jurídico e à personalidade de seu titular. Difere-se, portanto, ao direito potencial ou à mera expectativa de direito.

Usando as primorosas palavras do jurista R. Limongi França (“in” A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, RT, 1982, p. 204):

É a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo, consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto. É, portanto, o limite da atuação da regra do efeito imediato da lei nova.

(*) Adilson Sanchez – Advogado especializado em Direito do Trabalho e Previdenciário. Professor Universitário da UNI-FMU e da ESA. Autor de Livros em matéria trabalhista e previdenciária. Membro do IASP.

Assim, o direito adquirido já se integrou ao patrimônio diferentemente da mera expectativa que dependerá de acontecimento futuro.

O mesmo autor ainda nos brinda com as seguintes palavras:

O Direito se adquire dia a dia, com o correr sucessivo do prazo, não dependendo assim, para a sua perfeição, mera incidência de um efeito futuro e certo.

Conclui-se que a lei é irretroativa, pois a eficácia retroativa da nova norma será inadmissível se a lei anterior revogada veio a incidir plenamente.

A lei nova não poderá retroagir no que atina ao direito em si, mas poderá ser aplicada no que for concernente ao uso ou exercício desse direito, mesmo às situações já existentes antes de sua publicação (Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, RJ, 1934).

Direito condicionado também é direito adquirido, já integrado ao patrimônio do sujeito, diferente da mera expectativa. Exemplifica-se: se implementada a idade o segurado poderá se aposentar por idade. A lei nova não poderá excluir essa condição porque previamente ajustada.

Trata-se de um bem jurídico incorporado Em suma, consiste em manter os efeitos da lei pretérita mesmo depois de revogada, àqueles que foram alcançados por ela no passado, enquanto vigente.

Entre a retroatividade e a irretroatividade existe situação intermediária que é a da aplicação imediata da norma nova à relações existentes nascidas na vigência da lei anterior, cujo requisito máximo é o respeito ao direito adquirido.

Não poderá a lei nova, portanto, alcançar situações pretéritas à sua vigência (exceto se em benefícios do hipossuficiente), mas terá aplicação imediata desde que não atinja direitos adquiridos.

Longe de ser um pensamento novo, podemos encontrar esses preceitos na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º), bem como no artigo 5º, XL do texto constitucional, relativamente ao Direito Criminal. Dispositivo esse forte ao considerar que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Não é diferente no Direito do Trabalho. O princípio da proteção, como também é o caso do Direito Previdenciário, impede retroação em prejuízo da nova norma e ao mesmo tempo admite a aplicação imediata da lei sucessora se mais favorável.

A aplicação da norma mais favorável pode ser dividida de três maneiras: a) a elaboração da norma mais favorável, em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. Com isso se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador; b) a hierarquia das normas jurídicas: havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador.

 A condição mais benéfica ao trabalhador deve ser entendida como o fato de que vantagens já conquistadas, que são mais benéficas ao trabalhador, não podem ser modificadas para pior. É a aplicação da regra do direito adquirido (art. 5º, XXXVI da CF), do fato de o trabalhador já ter conquistado certo direito, que não pode ser modificado, no sentido de se outorgar uma condição desfavorável ao obreiro.

 O Enunciado 51 do TST bem estampa essa orientação: “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. Assim, uma cláusula menos favorável aos trabalhadores só tem validade em relação aos novos obreiros admitidos na empresa e não quanto aos antigos, aos quais essa cláusula não se aplica. (Sérgio Pinto Martins, “in” Direito do Trabalho, 8ª ed., Atlas, p. 72).

O tema é antigo para o Direito Previdenciário. Tantas vezes invocou-se o direito adquirido para restabelecer relações com a Entidade Autárquica, o que mereceu as sóbrias palavras do prof. Benedito Calheiros Bomfim, em artigo intitulado “A Crise da Previdência”, publicado no Jornal Trabalhista, ano 16, 1999, pág. 752, do qual extraímos as palavras adiante transcritas.

A aposentadoria, ao contrário do que o Governo faz crer, não é favor, concessão, benesse. É, sim, um direito que o segurado conquista ao satisfazer, com suas contribuições, as normas a que aderiu por ocasião de sua filiação ao órgão previdenciário. Implementado então o requisito estabelecido do recolhimento das cotas e do tempo necessário à obtenção do benefício, o direito a este é adquirido, cabendo à instituição a concessão daquilo que se obrigou.

Estabelecido um regime jurídico, é inadmissível sua alteração unilateral, com imposição de condições adversas, diferentes das anteriores, já incorporadas, ainda que potencialmente, ao patrimônio do segurado.

Vale mencionar também o pensamento do jurista Ingo Wolfgang Sarlet, em importante artigo de sua autoria publicado na Revista do Direito Social, 14, 2004, pág. 9, ao defender com rara felicidade que o direito à segurança jurídica se encontra vinculado a garantia de dignidade, porquanto a ausência de um mínimo de estabilidade das instituições sociais implicaria na quebra da confiança do particular no compromisso depositado no texto constitucional, no Estado e nas relações jurídicas albergadas por esse sistema. Diante dessa situação, defende o mencionado autor que o ser humano estaria fadado a ter suprimidas garantias mínimas de existência a qualquer momento, possibilitando que seja colocado em situação degradante.

Vai além:

No caso da ordem jurídica brasileira, a Constituição Federal de 1988, após mencionar a segurança como valor fundamental no seu preâmbulo, incluiu a segurança no seleto elenco dos direitos invioláveis arrolados no caput do artigo 5º, ao lado dos direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade.

 Assim, bastariam estas breves considerações para demonstrar o quanto a segurança jurídica (aqui tomada num sentido propositalmente amplo) assumiu um lugar de destaque na atual ordem jurídico constitucional brasileira, ao lado da segurança social (igualmente consagrada de modo expresso no âmbito da ordem social e ligada diretamente aos direitos fundamentais à saúde, assistência e previdência social).

Fundamentais pensamentos que não se limitam à retórica, ao desejo de um novo ordenamento, porque ele já está entre nós, basta exercitar o segurado exercitar seus direitos, aguardando-se pronto e favorável posicionamento da jurisprudência que, na verdade, já tem se pronunciado, como podemos mencionar nas situações  seguintes.

 Portanto, não estamos diante de retórica, merecendo apontar o dispositvo constitucional expresso a respeito. Refiro-me ao artigo 60, § 4º da Carta de República, eficiente ao afastar proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, entre os quais a aposentadoria (art. 7º, XXIV, CF).

3. DA PROTEÇÃO SOCIAL

Afinal, do que tratamos ?

Tratamos de proteção social. Tratamos do conjunto de medidas que visam atender as necessidades básicas do cidadão ou seja, suas necessidades sociais, ligadas às condições de vida encontradas, aos recursos que as pessoas necessitam para viver com dignidade. Um padrão mínimo aceitável.

A falta de rendimento decorrente do risco social deve corresponder a uma política social (art. 201, CF).

Tratamos de Justiça Social e de bem estar social (art. 193, CF).

A Seguridade Social é, portanto, o conjunto de normas de proteção social que intervém para superar determinadas questões sociais, alcançando o bem estar, o conforto, a segurança jurídica e social do qual o Estado é o principal ator.

Deve o Estado, por conseguinte, garantir o sistema para levar a todos os cidadãos esses objetivos. Para a redenção do verdadeiro Estado Democrático Social de Direito, pois somente dessa forma brindaremos sua chegada.

Proteção Social, portanto, é o conjunto das medidas de caráter social destinadas a atender a certas necessidades individuais; mais especificamente, às necessidades individuais que, não atendidas, repercutem sobre os demais indivíduos e em última análise sobre a Sociedade. Mas convém dar pelo menos uma idéia, e por isso direi que as necessidade de caráter social são, em última análise, aquelas mais ligadas às condições de vida, aos recursos de que cada pessoa precisa para conseguir um padrão existencial que a Sociedade considere aceitável, ou seja, um padrão mínimo de vida. (Celso Barroso Leite, “in” A Proteção Social no Brasil, LTr, 3ª ed., pág. 20).

 Aquela lei teve o Dom de pôr em evidência – e esse passou a ser o conteúdo da Seguridade Social – a necessidade de que os homens, indistinta e genericamente considerados, tenham direito a um nível mínimo de bem estar, segurança e conforto, mostrando, outrossim, que o Estado liberal moderno tem a responsabilidade de instituir, gerir e financiar um sistema administrativo capaz de levar ao alcance daquele objetivo. (Mozart Victor Russomano, “in” Curso de Previdência Social, Forense, 2ª ed., 1983, pág. 55).

 Este trabalho procura demonstrar que a estrutura, os componentes e os recursos de que dispõe o sistema se revelam aptos a conduzir a vida brasileira ao ambiente específico da Ordem Social, que é o bem estar e, em seu mais avançado estágio, ao respectivo objetivo: a justiça social. (Wagner Balera, “in” Sistema de Seguridade Social, LTr, 3ª ed., pág. 125).

Assim, não podemos admitir retrocesso social, mantendo-se a estabilidade no sistema de modo a oferecer os denominados mínimos sociais. O fim social representará uma realidade social. A busca dessa finalidade é meta.

Não se pode perder essa meta na retórica de quem intenta somente para si e seus pares as vantagens dos dominantes sobre os dominados, em detrimento da Justiça Social.

4. DAS SITUAÇÕES EXISTENTES

 Inúmeras são as situações enfrentadas no relacionamento com o Instituto Nacional do Seguro Social que denotam ignorância aos preceitos constitucionais e mesmo legais.

Não há nada de novo nisso. Seja qual for a orientação ideológica encontramos uma séria e inexplicável resistência aos reclamos da sociedade, especialmente da coletividade de beneficiários da Previdência Social.

Resiste a Autarquia a conceder revisões em benefícios que tiveram alteradas a formulação de cálculo para beneficiar os segurados, como é o próprio caso da mencionada situação dos pensionistas, que aguarda aval da Corte Constitucional.

Podemos mencionar também a situação de quem alcançou a idade e o tempo de contribuição para a aposentadoria por idade, mas terá o benefício deferido com o valor do salário mínimo, por não encontradas contribuições posteriores julho de 1994, conforme a Lei nº 9.876/99 que delimita esse período básico de cálculo.

Mas não será um direito adquirido a elaboração do cálculo do benefício de acordo com todo o tempo contributivo, como atualmente encontramos na legislação para quem se filiou à Previdência Social posteriormente a edição da lei mencionada ?

Também admitir o cálculo do benefício de acordo com as últimas trinta e seis contribuições, por força do previsto na Lei nº 8.213/91, na sua redação original, para quem, à época, era segurado previdenciário ?

O que dizer da famigerada “Tábua de Expectativa de Sobrevida” (diria o querido Adoniran Barbosa com razão, “tálbua”) que distorceu de um ano para outro a expectativa de tempo de vida, em cerca de 20%, justamente para quem já tinha programando o seu benefício ?

O que explicar sobre a aposentadoria especial dos professores, retirada bisonhamente de parte dessa categoria e cujo cálculo também fere o direito adquirido para aqueles que se encontravam no sistema anterior ?

Como admitir a exigibilidade de carência de quinze anos (cento e oitenta contribuições) para quem planejou seus últimos anos de vida mediante contribuição de apenas cinco anos (sessenta contribuições), ainda que estabelecida regra de transição (art. 142 da Lei nº 8.213/91).

Admitimos que o segurado filiado ao sistema de Seguridade Social antes da edição da Lei nº 8.213/91 e que perdeu a condição de segurado por desemprego involuntário, faz jus a aposentar-se por idade, com apenas sessenta contribuições existentes antes da perda mencionada.

Esse conta com a ressonância de recentes decisões, como indica-se a manifestação da Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais.

A 3ª Seção do E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento do tema, afastando a exigência do recolhimento de 180 contribuições aos segurados que já se encontravam filiados ao sistema antes do advento da Lei nº 8.213/91 (24.julho.1991), além do que afirmou ser indiferente para tanto o fato de o segurado ter perdido a condição de segurado, dado que aplicável à espécie a regra de transição do artigo 142 da Lei nº 8.213/91. (Proc. Nº 2002.51.51.007027-4, DJU de 13.09.05, pág. 827).

Quantos aposentados perderam, de pronto, 30% do valor do seu benefício ao notar que as exigências da lei nova não admitem a concessão da aposentadoria proporcional acima de 70% da renda mensal inicial de quem não alcançou a idade de 48 ou 53 anos, respectivamente para mulheres e homens, na data de edição da Emenda Constitucional nº 20 (DOU de 16.12.98) ?

Quantas situações poderemos mencionar nesse sentido e quantas outras certamente virão, já que nenhuma esperança nos abraça, senão a consciência de lutar por uma sociedade mais justa.

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