O Direito à Vida. Direito à Previdência Social

(*) Adilson Sanchez Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Previdenciário da ESA. Conselheiro da ESA. Professor do Curso Advocacia Previdenciária – ESA. Mestre em Direito. Advogado. Autor das obras “Advocacia Previdenciária” e “600 Perguntas e Respostas de Direito Previdenciário”.

 Sinopse

1. Introdução

2. Da Seguridade Social

3. Da Advocacia Previdenciária

1. Introdução

Será objeto de apreciação a posição do Direito Previdenciário na ciência jurídica. Sem pretender esgotar o tema, já que mereceria transcorrer acerca das fontes de direito previdenciário, a sua interpretação, hierarquia das normas, entre outros aspectos, destacarei o ideal de justiça em matéria previdenciária, abordando um comparativo entre o direito positivo e o chamado “super direito”.

Pretendo que o leitor possa desenvolver seu raciocínio sobre aspectos extremamente polêmicos na atualidade da relação jurídico previdenciária, de modo a permitir a sua própria conclusão.

Impõe-se a apreciação de temas controvertidos, como são os exercícios na dinâmica do curso de especialização. Inicio expondo sobre o texto constitucional e a importância de adotar os preceitos contidos na Carta Magna como parâmetro para todo e qualquer pensamento do jurista.

2. Da Seguridade Social

A Constituição da República promulgada em 1988 estabeleceu um novo conceito de proteção social. O constituinte elaborou um subsistema jurídico de Seguridade Social. A denominação, criticada por alguns, apenas inspirou o desejo do legislador de reforma. Profunda reforma. Reforma social.

Abandonou-se, pois, o formato até então verificado, levando ao surgimento do conceito amplo de seguro social. Direito à proteção social independentemente de contribuição, como é o caso do benefício assistencial e da assistência à saúde. Restou, de caráter contributivo, o préstimo de previdência social que compreende a devida cobertura dos riscos sociais, dos infortúnios da vida.

Ora, não poderá o operário trabalhar se incapacitado. Não poderá a família se sustentar se o seu arrimo se vitimou. Não poderá o idoso se manter sem a força de trabalho dos tempos da juventude. Não será razoável a mulher estar longe do rebento, se ele poderá ser o futuro trabalhador que fará essa nação justa, rica e solidária.

Tratou a novel carta, portanto, do direito à vida, do bem maior, que para muitos é o único patrimônio.

Fácil entender porque o Direito Previdenciário tem essa vocação. Digo, de cuidar dos excluídos, dos descamisados, dos miseráveis, de todos que de alguma maneira se encontram em situação de necessidade. Enfim, do hipossuficiente. Mas não aquele do direito consumerista, porque não poderá consumir. Também não o do direito trabalhista, porque não poderá trabalhar. Cuida daquele que só tem a Deus, se não for agnóstico, porque também não interessa ao Direito Previdenciário sua orientação religiosa, sexual, sua raça, seja o que for, porque não tem preconceito e, por isso, é apaixonante.

Aliás, cuida de todos nós, desde a concepção, o nascimento, por toda a vida e até a morte e mesmo depois dela…

Assim, o nome emprestado a esse ramo do direito sucumbe diante de sua importância. Admite-se o uso onomástico Direito Previdenciário ou Direito da Seguridade Social ou Direito Social ou mesmo Direito Previdencial, como gosto de denominar, porque todos têm uma razão única, a devida proteção social. Aliás, seria um bom nome também o Direito de Proteção Social.

Ora, trata esse ramo da ciência jurídica exatamente de amparar o desamparado. Surge de um conceito amplo, direito à saúde e à assistência social, ambos em que não se exige do cidadão contribuição, muito embora vale lembrar que o financiamento do sistema se dá por meio da arrecadação tributária como um todo. Equivale a dizer que qualquer centavo recolhido aos cofres públicos de natureza tributária ensejará o financiamento do sistema, norteado por um princípio de solidariedade, haja vista que aqueles que pagam tributos acolhem os que não têm essa possibilidade.

Tencionou o legislador conferir uma cobertura ampla, indiscriminada, de modo a atender com a maior capacidade todos que esperam do Estado o exercício de prestação social.

Casuísmos, portanto, não podem ser admitidos. Não se admite, pois, que o trabalhador doméstico seja tolhido de direito ao auxílio-doença, se não tiver contribuído por doze meses, tendo sofrido um acidente prestando serviços. O mesmo fato ocorrido numa empresa daria a ele a cobertura necessitada. Da mesma forma, não se aceita que o falecido, não mais segurado, por ter deixado de contribuir depois de décadas de recolhimentos à Previdência, não venha a possibilitar aos seus entes queridos o pensionamento se, por outro lado, aquele que têm parcas contribuições deixará pensão. Revolta saber que a gestante demitida sem justa causa não alcançará o requerido salário-maternidade do Instituto Previdenciário e ainda que a trabalhadora autônoma tenha de cumprir tempo mínimo para fazer jus ao benefício, enquanto a assalariada não. O que dizer então daquele que, desempregado, doente, incapacitado, e que por essa razão não poderá contribuir, venha a perder a condição de segurado e, por conseguinte, ao direito de amparo em face da doença mencionada?

No Seguro Social a condição de cumprimento de tempo mínimo de contribuição para tornar possível a obtenção do benefício deve ser visto com outros olhos. Não se pode admitir o mesmo tratamento de um seguro particular, de relação privada, portanto. Ora, o Direito Previdencial trata de direitos fundamentais, inalienáveis, que não podem ser condicionados, mormente a uma questão econômica.

Discute-se, inclusive, que a recuperação do status quo ante não deve acompanhar a mesma lição do particular, porque tratamos de um “mínimo” social. Uma remota hipótese de sobrevida, subsistência, em que o Estado é o segurador. Lembro, o Estado é a própria sociedade civil, que deverá atender aos princípios constitucionais, entre os quais o da moralidade e o da legalidade.

É bem verdade que festejados autores defendem que também no seguro social a reparação deveria ser completa, suficiente à manutenção do poder aquisitivo do beneficiário, ainda que se cogite de uma contribuição previdenciária compatível com o valor do benefício a ser alcançado. É razoável a tese, porque assim traria conforto, e antes disso, segurança a todo cidadão que desenvolve atividade econômica para o bem do país.

E quando a insensibilidade daqueles que têm a missão de administrar sobressai, com adoção de políticas de redução de valores, de perda do poder aquisitivo, ignorando incapacidades, cancelando e suspendendo benefícios sem pré aviso, pressupondo a fraude em detrimento da cobertura do risco concretizado, entre outras situações inusitadas, essa relação constrange ainda mais o já desafortunado cidadão, que vê a impossibilidade de ter uma pequena receita, um meio de subsistência, nada mais do que isso diante de uma política que não prioriza do trabalho, que não se importa com a dignidade da pessoa, que não estabelece Justiça Social.

O sistema, seja lá qual o nome que se queira dar, deve ser amplo, incondicionado, porque a receita tributária enseja que assim se comporte o governante, bastando mencionar o ocorrido com a contribuição provisória de financiamento da saúde – CPMF, cuja extinção veio acompanhada de aumento da arrecadação, o que não surpreendeu aos que estudam essa relação.

 A Constituição será o único instrumento para bem aplicar o direito. A lei infra-constitucional não poderá ser sua algoz.

Contribuiu fortemente o legislador previdenciário para o avanço das relações com o Estado ao admitir que a proteção social não teria unicamente o trabalhador assalariado como seu objetivo.

Curioso notar que recentemente foi anunciado pela imprensa leiga o trâmite de um projeto de lei que leva a aproximar, senão equiparar, o tratamento legal dispensado aos trabalhadores que não mantém vínculo de emprego com os registrados.

Trata-se de uma tentativa de estender direitos de proteção aos trabalhadores, mesmo que desenvolvam suas atividades de maneira autônoma, sem vinculação a um único contratante.

Isso ocorre porque, obviamente, todos nós necessitamos recuperar a capacidade de trabalho perdida ao longo das semanas, meses, anos de trabalho. Justifica-se, também, porque é uma realidade a existência de trabalhadores prestando serviços a poucos tomadores ou mesmo a um único tomador, mesmo sem vínculo de emprego, o que é muito comum com os profissionais liberais, como os médicos do trabalho, advogados, dentistas, psicólogos, demonstradores de vendas, corretores, etc.

É razoável, portanto, que alguma proteção seja deferida pela lei aos trabalhadores mencionados, porque desenvolvem seus préstimos tal qual os empregados e porque, não se pode esquecer, a contratação mediante relação de emprego deixou de ser o principal vínculo trabalhista, efeito do fenômeno da terceirização que alcançou todos os segmentos da atividade econômica.

Não é sem razão que a nova lei de estágio confere direito às férias para o estagiário que, deve-se lembrar, mantém contrato de natureza civil e não trabalhista.

Portanto, também nesse horizonte a legislação previdenciária deve ser ampliada. Na verdade, já se desvencilhou dessas amarras, oferecendo proteção amplamente aos variados segmentos da sociedade, até mesmo ao capitalista.

Mas ainda necessita evoluir e o maior exemplo é justamente o estagiário. Ampliou-se a possibilidade de contratação de estagiários além do curso de formação superior, mas não se admitiu a sua inclusão no sistema como segurado obrigatório. A recente Lei n° 11.788 em nada avançou ao determinar que o estagiário poderá ser segurado previdenciário facultativo. Exatamente o já contemplado pela Lei n° 8.213. Duas vezes inútil o texto legal, porque repete o contido em outra lei e porque perde a oportunidade de oferecer nova conquista social.

É importante explicar que a filiação como segurado facultativo está acompanhada de perda no tratamento previdenciário e mais uma vez não se pode admitir que isso ocorra.

Outra situação que deveria ser extirpada da legislação previdenciária é a do cálculo do benefício. Os atuários não se entendem e vivemos décadas de experimentos, sem qualquer conclusão satisfatória. Assim, com a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807/60), encontramos uma formulação. Veio a reforma com a Lei nº 5.889/73, tornando o cálculo ainda complexo. Passou pelo Regulamento de Benefícios (aprovado pelo Decreto nº 83.080/79) e não encontrou nenhum facilitador para a sua compreensão. Aliás, de todas as maneiras de se obter o benefício, esta época era a mais complexa, vale mencionar.

Não satisfeito, o legislador constituinte pôs fim a tantas especificidades na elaboração do valor do benefício. Tivemos um avanço.

Contudo, esse avanço sucumbiu ao tecnocrata, quando, com a Emenda Constitucional nº 20 e depois com a edição da Lei nº 9.876/99, foi criado o “fator previdenciário” – urna funerária do Direito Previdenciário – tornando totalmente dificultosa a apuração da renda mensal do benefício. Não somente isso, porque o cálculo ficou a margem do gosto do devedor, se considerarmos que é ele que estipula a expectativa de sobrevida do cidadão brasileiro.

Pior, faz de forma a enfrentar o texto constitucional, igualando os desiguais e determinando critérios e condições diferenciadas para a concessão de benefícios (art. 201, ̕§ 1°, CF), preceito criado pela própria Emenda Constitucional referida e cuja validade da reforma verificada deve-se negar.

Resumidamente podemos considerar que a sociedade brasileira sempre esteve à luta para implementar um modelo que atingisse as necessidades de um país emergente, mas com sérios problemas educacionais, econômicos e políticos, transitando entre a necessária suficiência econômica e uma prestação compatível com os princípios que norteiam a seguridade. Reformas e reformas e mais reformas do sistema e nunca alcançamos uma situação de conforto necessária ao socorro de milhões de pessoas desamparadas, não incluídas socialmente, e mesmo à classe trabalhadora sufocada pela imposição de tributos sem a devida contrapartida do Estado.

2. Da Advocacia Previdenciária

Não são poucos os exemplos do gestor previdenciário que trata mal quem deveria tratar bem. Bem? O bem da vida que é a própria vida. A vida com dignidade.

A advocacia previdenciária, por sua vez, é o resgate da cidadania. É lembrar reiteradamente ao Estado o seu papel de prestador eficiente de atividades essenciais para a sociedade, entre elas a de seguridade social.

O exercício da advocacia não se resume a sustentação de teses de revisão de benefícios, seu aspecto comercial. Vai além, pois cria consciência da necessidade de dispensar a todos os infortunados a chance de dias melhores. Reduzir desigualdades, equiparar iguais, criar esperança e concretizá-la é seu papel.

Morosidade processual, audiências a longo tempo e por vezes desnecessárias, mutirões de conciliação, perícias inconclusivas, “kits” de julgamentos, sentenças pré-elaboradas, lei processual esparsa e dúbia, instalações inadequadas, entre tantos outros fatores, tornam o acesso do jurisdicionado à prestação jurisdicional cheia de óbices e incertezas.

 Melhor seria a criação de uma lei processual previdenciária, nos moldes do processo do trabalho, afastando resoluções administrativas e enunciados que ditam o direito em detrimento da lei e ao gosto do seu criador.

 

Basta mencionar a precariedade de se postular um benefício decorrente de doença ocupacional, se poderá levar anos apenas para definir a competência jurisdicional. E o que dizer da sentença trabalhista, ignorada pela mesma Justiça Federal, esta não especializada. Como admitir a cobrança de contribuição previdenciária sem a contrapartida. E se inadvertidamente se recolheu mais do que devia, ficará o trabalhador sem o benefício e sem a restituição.

 

Todos esses obstáculos, em verdade, enaltecem a advocacia previdenciária, pois conhecer os caminhos para fazer justiça social é fundamental ao especialista, ainda que pudesse ser menos árdua.

 

Ser patrono dos miseráveis não é defeito, é virtude! Mas somente se acompanhado da exigência de mudanças. Isso é enobrecer o exercício da profissão, para que possamos alcançar o nosso ideal previdencial. Certamente, devo registrar, não trato do assistencialismo, maculado por finalidades espúrias. Trato de uma nação justa, solidária e desenvolvida.

 

A advocacia previdenciária também nesses tempos futuros terá seu prestígio, propiciando a todos o seu planejamento pessoal de vida. Por essa razão insisto, legislação rebuscada, preceitos constitucionais abandonados, ideal de justiça distante, não contribuem para um país civilizado.

 

Tivemos a oportunidade de explanar que o advogado especialista em Direito Previdenciário sabe que o fundamento para toda e qualquer demanda nessa área é justamente a situação de necessidade que aflige seu cliente. Sabe-se que precede à procura do causídico um estado de penúria, seja diante de grave dificuldade financeira, de saúde ou de ambos. Soma-se a essa circunstância, a incapacidade do segurado de encontrar soluções perante o Poder Público, que desampara e até mesmo maltrata.

 

Dessa forma, foram criados verdadeiros modismos, em prejuízo de todos, como é exemplo a nova contribuição daqueles que estão na chamada economia informal (Lei Complementar n° 123) que retira do beneficiário o direito à aposentadoria por tempo de contribuição, sem que ele saiba, ao menos não constou da propaganda televisiva essa informação.

 

Posso mencionar também o “empréstimo consignado”, a “alta programada”, o “nexo técnico epidemiológico”, a extensão da licença maternidade como fenômeno tributário e não social e tantas outras políticas sem vocação para a melhora da relação previdenciária. O que dizer do “fator previdenciário” então?!

 

Perdem todos, especialmente os trabalhadores que se submetem a ilegalidades e muitas vezes não postulam qualquer reparação. Do mesmo modo perde o Judiciário, assoberbado de causas para decidir (URV, IRSM, ORTN, FAP, RAT, NTEP e tantas siglas mais). A economia é mais importante do que as instituições, pensam os tecnocratas de plantão. Ignora-se que esses “procedimentos” geram insegurança jurídica e contribuem para a multiplicação dos conflitos, para a multiplicação das ações previdenciárias.

Compete ao estudioso do Direito Previdencial oferecer soluções. Ao causídico, fazer justiça social. Esse é o perfil da Advocacia Previdenciária. Recebe-se um cliente deprimido por dificuldades da vida. Oferece-se a ele um fio de esperança. Talvez a derradeira esperança.

 

 

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